Permanências

A dramaturgia é de Pedro Henrique Lopes que tem o mérito de denunciar as permanências da sociedade brasileira. Ele parte do show A Cena Muda realizado por Maria Betânia no ano de 1974, no contexto dos regimes militares, no auge da repressão e da violência. Era um momento de bocas caladas, ápice da censura, prisões, desaparecimentos, e exílios. E Betânia foi ousada em cantar.

O tempo passou. Vivemos na "Nova República" num regime democrático.

Contudo, as truculências e as violências em geral praticadas contra a população menos favorecida economicamente e humilde, desaparecimentos e outros crimes continuam existindo em nossa sociedade. E a dramaturgia manifesta com indignação essas injustiças, com base em narrativas reais e documentadas pela história. Não é ficção!

Para realizar essa delação das continuidades, o diretor Diego Morais se utiliza de três atrizes pretas para gritarem contra as injustiças sociais. Valéria Barcellos, Sara Chaves, e Hiane interpretam e cantam de forma potente, deixando transparecer emoção. Dominam o texto e o palco, estão sintonizadas e ajustadas. Se entregam de corpo e alma naquela ribalta. Elas sintetizam a voz das mulheres da sociedade brasileira, cansadas de serem violentadas, humilhadas, e excluídas. Elas representam as mães, que perderam seus filhos vítimas da violência, e sumiram sem deixar rastros. Portanto, elas tem uma bonita e emocionante atuação. São corajosas, e sensíveis.

O diretor Diego Morais deixou o elenco a vontade no palco. O cenário, também por ele criado, é simples, e facilita a movimentação das atrizes pelo palco, dando liberdade de ação para por meio de suas respectivas apresentações "botarem a boca no mundo" e mostrar que o cenário ainda não mudou. São contextos históricos distintos, mas com práticas que se perpetuaram.

Ainda no cenário, na parte superior do palco, suspensos por cordas, há molduras com projeções dos nomes dos personagens, bem como imagens de pessoas que foram violentadas, ou desaparecidas.

Os figurinos de Carol Burgo são bonitos, adequados, e deixam as atrizes elegantemente vestidas.

A iluminação criada por Pedro Mendonça é adequada as cenas do espetáculo e realça ainda mais as atuações das atrizes.

A direção musical é de Guilherme Borges que criou um roteiro musical bonito e agradável. Ela é constituída por uma seleção de canções que integram o disco A Cena Muda, como Roda Viva, Sinal Fechado, Demoníaca, Chão de Estrelas, Gás Neon e Rosa dos Ventos, e músicas de artistas contemporâneas. São canções que se adequam ao espírito do espetáculo.

A Cena (Não) Muda é um espetáculo que denuncia as permanências injustas da sociedade brasileira; apresenta um elenco primoroso; e uma dramaturgia forte.