Língua

A peça apresenta uma proposta inovadora que consiste em levar à cena uma história bilíngue e bicultural (em português e em Libras) para refletir sobre os impasses de comunicação universais. E consegue executar de forma correta e exitosa, integrando no palco atores ouvintes e surdo.

A dramaturgia de Pedro Emanuel e Vinícius Arneiro narra a preparação por Virgínia (interpretada pela atriz Érika Rettl)  de uma festa de aniversário para seu filho surdo, chamado Matias (interpretado pelo ator surdo Ricardo Boaretto) que cresceu rodeado de pessoas ouvintes. Ele é um filho adotivo, mas criado com muito amor e carinho, e exerce a função de taxista. No exercício da função, ele convive com várias pessoas para as quais presta serviço, e tem que se esforçar para superar as dificuldades de compreensão e de ser compreendido.

O encontro reúne um pequeno grupo de amigos do rapaz, como Tom (interpretado por Jonathas Narciso), a amiga Julieta (interpretada por  Luize Mendes Dias), e Félix (interpretado por Filipe Codeço).

A confraternização revela não só afetos, mas também dilemas e a diferença cultural entre eles. Na ocasião Félix se diz apaixonado por Matias. Este compreende o amigo, respeita o seu gosto, embora acreditamos que não fosse a sua preferência (ou poderia ser também!). Não há conflitos entre os dois personagens.

Além disso, a celebração convida-nos a perceber como lidamos com a distancia entre aquilo que se sente e a tentativa de dizê-lo.

O elenco composto pelos cinco atores atua bem, com boa expressividade, estão ajustados e em sintonia, e traz a novidade de ter inserido um ator surdo entre os que são ouvintes. Proposta inovadora, ousada, original, e inclusiva, pois insere num palco um indivíduo que se comunica por libras em meio aos ouvintes. Tal fato de forma alguma prejudica a compreensão do texto, e nem há confusão entre as linguagens. Para que isso não acontecesse, a direção de Vinícius Arneiro demarcou com nitidez os espaços de fala dos ouvintes do ator surdo, o protagonista. Ademais, a instalação de uma tela retangular onde foram exibidos trechos do texto em legendas facilita a compreensão. Tudo foi organizado de forma atenta e cuidadosa para que não ocorresse nenhum equívoco.

Os figurinos criados por Julia Vicente são adequados aos personagens.

Por sua vez, a cenografia de Julia Decacche consiste num platô quadrangular no qual os personagens se apresentam, e há algumas cadeiras. Há também na lateral uma tela que apresenta a descrição da fala em libras.

A iluminação criada por Daniela Sanchez é adequada às diversas cenas do espetáculo.

A peça teatral não é sobre a surdez. Ela se apresenta como a tentativa bem sucedida de integrar atores ouvintes e surdos numa mesma ribalta.

Língua é uma peça com proposta inovadora; apresenta um bom elenco; e uma experiência exitosa de unir dois idiomas, o português e as libras.